Um pouco de Nagada III…

Em Nagada II vemos que a sociedade egípcia está cada vez mais hierarquizada e bem organizada, há já uma clara diferenciação entre classes sociais. Nota-se ainda um reforço do poder dos chefes e das elites dos centros pré-dinásticos, devido ao controlo da distribuição de matérias-primas e ao intercâmbio de bens de prestígio.

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A partir de Nagada II, assistimos a uma sociedade cada vez mais hierarquizada e bem organizada, com uma clara diferenciação entre classes sociais. O controlo da distribuição de matérias-primas e a produção e intercâmbio de bens de prestígio – enquanto símbolo da posição social – começam a reforçar o poder dos chefes e das elites dos centros pré-dinásticos (Bard, 2007).
Cultura material de Nagada III (3200–3100) | The Metropolitan Museum of Art
Estamos perante um momento de engrandecimento das primeiras entidades políticas que vão surgindo ao longo do território, e que muito deveram à interação económica e ao comércio à distância.
 
Comparativamente ao Baixo Egipto, as populações do Sul (Alto Egipto) tinham um maior acesso a recursos naturais, pois a zona abundava em ouro e pedras, utilizados para o fabrico de alguns bens. Não é à toa que o nome antigo de Nagada fosse Nubt, ‘cidade do ouro’.
 
O centro político de Nagada encontra-se documentado no Alto Egipto, porém a cultura de Nagada II já havia registado locais de enterramento a Norte; o que sugere que, durante este período, tenha havido um movimento das populações em direção ao Baixo Egipto.
 
Em finais de Nagada II e nos inícios de Nagada III, assiste-se ao desaparecimento da cultura material do Baixo Egipto, paulatinamente substituída por objetos do provenientes do Sul e típicos da cultura de Nagada (Bard, 2007).
O período de Nagada III foi uma época de grandes mudanças na sociedade egípcia, as quais se espelham no material cerâmico (Wodzinska, 2012). Os conjuntos apresentam-se mais homogéneos que os anteriores, ao mesmo tempo que aparecem novos modelos e tipologias:
  • Formas de pão com paredes simples;
  • Tigelas com paredes amplas e bases planas;
  • Recipientes com o bordo virado para dentro – possivelmente usados como panelas;
  • Potes cilíndricos com linhas incisas abaixo do bordo;
  • Grandes potes de armazenamento e potes cónicos de bordo largo e aberto – os mais típicos deste período.
Estas cerâmicas são maioritariamente constituídas por lodo do Nilo e inclusões orgânicas, além de marga misturada com um pouco de areia. Na sua generalidade apresentam um fabrico manual, apesar de em alguns casos se documentarem vestígios de linhas paralelas que sugerem a utilização de um tipo de instrumento rotativo (por exemplo, um torno).
 
Maior parte das peças parecem ter sido elaboradas com pouco cuidado e pouca preocupação. Contudo, alguns potes apresentam acabamentos de alta qualidade.
No caso dos potes de grandes dimensões, encontramos superfícies alisadas ou polidas, com uma coloração avermelhada.
 
A decoração dos recipientes é rara ou quase inexistente. Nas exceções encontramos peças com padrões incisos de coloração vermelha. No caso dos frascos cilíndricos, a decoração mais típica são os motivos em rede.
 
O material cerâmico de Nagada III representa uma linha clara de recipientes cujo desenvolvimento leva aos exemplares do Império Antigo.
(Wodzinska, 2012: 29)
 
Pouco a pouco, os materiais do Norte vão desaparecendo, impondo-se os do Sul, de uma maneira gradual e sem grandes pressões. O interesse das populações numa deslocação para o Norte estaria bastante vinculado a uma vontade de controlo de uma maior parte do território, ao mesmo tempo que garantia o monopólio do comércio com as comunidades a Este do Mediterrâneo – zona em que a prática comercial já era uma constante, pelo menos, desde o IV milénio a.C.
 
Com o incremento da agricultura, a produção inevitavelmente aumentou e os excedentes começam a ser trocados por bens manufaturados. Assim, os primeiros a dirigirem-se para Norte poderão ter sido mercadores, com vista ao alargamento da sua rede comercial. Seguidos por grupos de colonos que, possivelmente, se foram assentando nesta região.
Durante Nagada III há uma continuidade na deslocação de populações de Sul (Alto Egipto) para Norte (Baixo Egipto). Desta forma, as comunidades do Alto Egipto vão influenciando, a nível social, económico e político, aquelas já estabelecidas a Norte. Tratou-se de uma colonização pacífica em que as relações que se vão desenvolvendo por meio de casamentos.
 
 
O desenvolvimento de técnicas de construção de embarcações de dimensão considerável foi a chave para se exercer um maior controlo sobre o Nilo e o comércio e ligações que este providenciava (Bard, 2007). A madeira utilizada para a sua construção vinha do Líbano, o que obrigara as comunidades a estabelecerem contactos externos para se afirmarem enquanto comerciantes.
 
Convém distinguirmos entre a cultura de Nagada III e o seu centro político e administrativo – a cidade de Nagada –, que nesta altura parece encontrar-se um pouco mais “pobre”. Os seus enterramentos, em comparação com os de Nagada II, são bem mais simples, evidenciando contextos menos opulentos.
 
Isto deveu-se ao facto de surgirem no Alto Egipto outros centros – Abidos e Hieracômpolis – que vão competindo com Nagada. Aos poucos, estes vão enriquecendo e começam a surgir túmulos de personagens importantes e bastante ricas, identificados pelos arqueólogos como reis.
 
No que toca à política e à administração do território, Abidos demonstrou ter tanta força que acabou por conseguir absorver Nagada. 
 
Durante o Pré-dinástico Nagada foi politicamente insignificante, Abidos foi o principal centro de culto do rei defunto e Hieracômpolis seguiu sendo um importante centro de culto associado ao deus Hórus, símbolo do rei vivo.
(Bard, 2007: 97)
Nagada III (c. 3200-3050/3000 a.C.) foi a grande última fase do Período Pré-dinástico, fruto da evolução e desenvolvimento registados nas culturas de Nagada I e de Nagada II. É nesta que se dão grandes transformações no seio do território egípcio, as quais irão levar o país a tornar-se num território unificado, sobre uma única coroa que comanda os destinos do país. Contudo, ainda haverá alguns desenvolvimentos aqui pelo meio, no momento em que entram em cena Abidos e Hieracômpolis…
No próximo post entraremos nos três grandes reinos proto dinásticos egípcios – Abidos, Nagada e Hieracômpolis – e nas particularidades e caraterísticas que definiam cada um, e que acabaram por contribuir para a unificação do Egipto.
 

Bibliografia

Bard, K. A. (2007). La Aparición del Estado Egipcio. Em I. Shaw, Historia del Antiguo
Egipto. (J. M. Ortiz, Trad., pp. 90-125) Madrid: La esfera de los libros.
 

Obras a consultar

Grimal, P. (1988). Histoire de l’Égypte Ancienne. Paris: Libraire Arthème Fayard.
 
Kemp, B. J. (1992). Anatomía de una civilización. (M. Tusell, Trad.) Barcelona: Editorial Crítica.
 
Parra, J., Castellano, N., Almazán, M., & Ibáñez, M. (2021). Os Primeiros Faraós. A Fundação do Egipto. Edição Especial História, National Geographic. (R. Tavares, Trad.)
 
Shaw, I. (2000). The Oxford History of Ancient Egypt. (I. Shaw, Ed.) Oxford: Oxford University Press.
 

Cláudia Barros é licenciada em Arqueologia pela Universidade do Minho (2018). Em 2022 concluiu o Mestrado, na mesma área e instituição, com a dissertação “O Olhar de Gomes Eanes de Zurara sobre o Norte de Marrocos: estudo da paisagem de Alcácer Ceguer (Ksar Sghir)”.

Atualmente é colaboradora das revistas Egiptología 2.0 (Barcelona) e El Aldabón – Gaceta Interna del Museo Nacional de las Culturas del Mundo (México), e tradutora da Ancient History Encyclopedia, especialmente no âmbito da Assirologia e Egiptologia, a sua área de estudo e eleição.

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