
Há cerca de 5000 anos atrás, nasceram, na singela falcada do Crescente Fértil, os primeiros Estados, Nações e Impérios, espalhados pelas planícies e areias que percorrem quilómetros do golfo Pérsico ao Mar Vermelho. Aqui o Tigre, o Eufrates e o Nilo, tornam-se nos personagens principais de uma narrativa que inaugura o erguer de pequenas aldeias, que vão domesticando o mundo à sua volta, transformando-se, ao longo dos séculos, em autênticos centros de esplendor e brilho cultural, literário e tecnológico.
No seio de grupos nómadas que, viviam da caça e da recoleção e que apenas concebem a ocupação de determinado local como algo sazonal, começa a nascer a necessidade de fixação em locais que oferecem fartos recursos agropecuários e hídricos, os quais prometeriam culturas mais prósperas, dada a fertilidade dos solos e o acesso a água.
Nestes relevos pouco pronunciados, de vales abrigados e de planícies férteis bem irrigadas, que vão alternando com estepes semi-áridas, a presença de gramíneas e leguminosas selvagens (cevada, centeio, trigo, lentilha…) e a variada e abundante fauna com espécies potencialmente domesticáveis, facilitaram em parte todo este processo que começara a germinar.

Encontramo-nos em pleno Neolítico, quando começam a surgir todas estas transformações no âmago de humildes comunidades. Além da domesticação em si, paulatinamente vamos assistindo à divisão de trabalho entre homens e mulheres; à produção excedentária de alimentos; aos primeiros atos de comércio e venda de produtos; à produção cerâmica – que enveredará por vários caminhos –; a algumas mudanças nos modos de vestir, etc.
São estes filhos do deserto quem viria a firmar os alicerces do termo, que hoje em dia, conhecemos por ‘civilização’; quem nos presenteia com os primeiros sistemas de escrita; quem levanta no firmamento as primeiras cidades – ditas civilizadas –, onde almas e corações esperançosos sobrevivem a cada dia. São eles quem nos traz a roda, o arado e a cerveja; quem edifica os primeiros templos e construções monumentais, honrando aqueles que lhes provêm sustento, paz, harmonia e saber – os Deuses.
De acordo com os antigos credos, serão esta infinidade de divindades e demiurgos que habitam nos panteões da altura – e que figuram nas mais divertidas, ou dramáticas, epopeias e narrativas mitológicas –, os responsáveis pelo nascimento destas primeiras civilizações. Tal como noutras partes do Mundo, o desabrochar de tais Impérios deveu-se à presença, não de seres míticos e inspiradores, mas sim de um elemento essencial, já anteriormente referido: a água (na realidade, também esta divinizada nas cosmogonias da região).
Neste cenário, nascem então as civilizações da Mesopotâmia e do Antigo Egipto, fruto de três caudalosos rios, o Tigre e o Eufrates – para a primeira –, e o Nilo – para a segunda. Assim, crescem nas margens destes cursos de água, prosperando e demonstrando o seu poderio, subjugando inimigos, por milénios.

Tanto a Mesopotâmia, como o Antigo Egipto, são parte de um dos primeiros capítulos da nossa história, aqueles em que procuramos povoar o Mundo e reduzi-lo às nossas vontades, em que o tentamos domesticar e tornar nosso, em que lhe demos, acima de tudo, um cunho pessoal.
Heródoto, no século V a.C., escrevera “O Egipto é um dom do Nilo”. Concordaremos que sem o Nilo, o Egipto não seria mais do que um simples amontoado de dunas e de deserto em toda a sua extensão. A civilização egípcia deve muito ao enquadramento natural onde nasceu; de facto, só existe graças ao Nilo e às suas cheias anuais, que depositam no solo o limo suficiente para fazer prosperar as culturas agrícolas, que mal conseguiram ser controladas com diques ao longo do rio e com conjuntos de canais e depósitos de retenção, forneceram este elemento chave à sobrevivência humana.

Apesar do Nilo se estender por seis cataratas, o território do Antigo Egipto ia apenas do Mar Mediterrâneo (Baixo Egipto) até à primeira catarata do rio (Alto Egipto), uns kilómetros depois de Edfu.
Em aproximadamente 3000 anos de existência, como nem tudo são rosas, a história egípcia vai registando um oscilar entre duas de tendências um pouco antagónicas – tanto podemos estar perante um poder central estável e fortemente centralizado, como nos podemos ver envoltos numa dispersão em pequenos principados desorganizados.
Os momentos de estabilidade e poder centralizado coincidem, por via da regra, com os três notáveis períodos cronológicos do Império Antigo, Império Médio e Império Novo, nos quais se verificam fatores “positivos” e um gracioso desenvolvimento cultural.
Em contrapartida, e no meio dos períodos anteriores, surgem as ditas alturas mais “caóticas”, durante as quais se registam um certo desmembramento territorial e uma divisão do poder, assistindo-se à anulação da figura que reina. Designados pelos académicos como “Períodos Intermediários” – dos quais se contam três, I Período Intermediário, II Período Intermediário, III Período Intermediário–, revestem-se de momentos de descentralização política e admnistrativa, em que a estabilidade perde o seu habitual equilíbrio, vivendo-se um ambiente de anarquia e fome – dado que a exploração do vale do Nilo deixa de ser assegurada -, com invasões e lutas pelo poder que enfraquecem o cerne deste povo e os seus fundamentos de harmonia, paz e equilíbrio, personificados na famosa Ma’at.

Apesar de algumas peças do puzzle já terem sido decifradas, questões como as de quem foram os antigos filhos do Egipto, como viviam, como funcionariam os seus sistemas de crenças, como se relacionavam com o contexto à sua volta, qual fora a sua história ou quem realmente construíra as pirâmides, são assuntos que ainda se encontram a ser escavados nas areias egípcias, e alguns deles ainda estão cobertos por uma vaporosa neblina que nos ofusca o olhar, contra a qual, atualmente, um corpo internacional de egiptólogos dedica os seus maiores esforços para poderem trazer do passado a grandiosidade deste povo.
Embarca comigo nesta viagem e vamos desmitificar o Antigo Egipto juntos!
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